CENÁRIO:
Um escritório moderno, com computadores, telefones, aparelhos de fax e demais atributos tecnológicos, a iluminação é cegante e o ar gelado. Ao canto uma cabine de privada, com papel higiênico e uma porta entreaberta.
TRILHA SONORA: Um sax irritante de Kenny G.
PERSONAGENS: SUJEITO SIMPLES, SUJEITO COMPOSTO, SUJEITO UM E SUJEITO DOIS
CORTINA ABRE:
(SUJEITO SIMPLES SENTADO Á FRENTE DE UM COMPUTADOR, OLHOS GRUDADOS AO MONITOR, SEMBLANTE TENSO, SUANDO, CLICANDO FRENETICAMENTE E ESMURRANDO HORA OU OUTRA O TECLADO. SUJEITO COMPOSTO AO SEU LADO EM PÉ, DE TERNO E GRAVATA, GESTICULANDO E GRITANDO)
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO SIMPLES:
– É, senhor Simples, o senhor é mesmo uma merda! Não consegue operar essa merda de computador, a merda do programa de última geração que a empresa comprou, nem a merda do fax inteligente, nem a merda da impressora a laser colorida…O senhor… o senhor é um merda, certamente!
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO COMPOSTO
– É, senhor Composto, sou mesmo um merda mesmo! Um inútil… Afinal, que utilidade tem um sujeito que trabalha a 30 anos nesta empresa, portanto de antes que o senhor tenha nascido, que ajudou esta empresa a crescer desde que ela tinha dois funcionários, que deixou de lado a companhia dos filhos para trabalhar aos domingos sem ganhar sequer horas extras? Um merda que sempre foi pronto a colaborar, a prestar qualquer sacrifício acreditando que um dia teria a sua recompensa. É, senhor Composto, sou um merda mesmo!
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO SIMPLES
– Não vem com essa merda de que o senhor se dedicou a empresa. Sou formado em TI, TC, IT, CT e todas as siglas que o senhor nunca escutou falar. Aliás a única siga que o senhor escutou é WC, que é o lugar de merda.
(SUJEITO COMPOSTO SOLTA UMA GARGALHADA E DEPOIS SILENCIA. NESTE MOMENTO A LUZ ILUMINA OS ROSTOS DE SUJEITO UM E SUJEITO DOIS, QUE ENTÃO GARGALHAM ABUNDANTEMENTE.)
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO COMPOSTO
– O senhor acaso sabe porque a merda do cabrito é redondinha?
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO SIMPLES
– E que merda tem a haver a merda do cabrito com a merda que o senhor cagou ai no computador?
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO COMPOSTO
– Eu sei porque a merda do cabrito é redondinha e nem por isso o estou humilhando na frente de seus amigos.
SUJEITO UM
– É, ele sabe mesmo. Já me explicou direitinho isso uma vez. Tem todo uma merda cientifica…
SUJEITO DOIS
– É mesmo. A merda do cabrito é redonda porque…
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO UM E SUJEITO DOIS
– Calem as merdas das bocas. Não estou falando com vocês, seus merdas!
(SUJEITO COMPOSTO FALA ISSO E LEVA A MÃO AO ABDOME)
– Que caganeira de merda me deu agora. Não saia dai senhor Simples, temos muita merda pra conversar ainda.
(SUJEITO COMPOSTO SE DIRIGE RAPIDAMENTE Á PRIVADA, DESABOTOANDO E ABAIXANDO AS CALÇAS, SENTA-SE NA PRIVADA E SUSPIRA DE ALÍVIO. NA OUTRA PARTE DO CENÁRIO, OS OUTROS TRÊS SUJEITOS CONFABULAM)
SUJEITO UM AOS OUTROS DOIS SUJEITOS
– Que merda de sujeito esse Composto. Só porque entende de computadores, pensa que tem o Rei na Barriga. Mas sabem o que ele tem mesmo na barriga? Merda!!!
(OS TRÊS SUJEITOS GARGALHAM AO MESMO TEMPO, RISADAS DEBOCHADAS)
SUJEITO DOIS A SUJEITO SIMPLES
– Ele não tinha o direito de falar o monte de merda que ele te falou. Que merda, meu! E você, seu merda, deixou ele falar aquelas merdas…?!
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO DOIS
– É, ele não tinha mesmo o direito de falar aquelas merdas pra mim, mas ele acha que a merda dele fede menos que a minha… que a nossa merda.
TRÊS SUJEITOS (EM UNÍSSONO)
– Que merda de sujeito esse tal de Composto!!!
(NA PRIVADA, SUJEITO COMPOSTO GEME E URRA, EMPUBESCE E NUM MOMENTO GRITA)
– Que merda! Que Merda! Não sai essa merda!
(EM POUCOS INSTANTES, SUJEITO COMPOSTO CAI DA PRIVADA ROLANDO PELO CHÃO E SE CONTORCENDO COM A FACE DEMONSTRANDO DOR EXTREMA)
SUJEITO COMPOSTO (ENTRE DENTES)
– Merda! Merda! Merda!
(REPENTINAMENTE SUJEITO COMPOSTO FICA INERTE, AS CALÇAS NOS JOELHOS. OS TRÊS OUTROS SUJEITOS CORREM ATÉ A PRIVADA E MEXEM NO CORPO INERTE.)
TRÊS SUJEITOS (EM UNÍSSONO)
– Está morto. O Sujeito Composto está morto! Que merda!
(SUJEITO UM SE ENCAMINHA PARA A PORTA ENTREABERTA DO BANHEIRO E LÊ O QUE ESTÁ ESCRITO)
SUJEITO UM:
– Escutem isto aqui que está escrito na porta da privada: “Um dia em algum lugar dessa merda de cidade, a minha merda e a do dono dessa merda irão se juntar no esgoto e tudo será a mesma mer…”. E ainda está molhada a tinta do pincel atômico vermelho.
(SUJEITO DOIS E SUJEITO SIMPLES OLHAM NA MÃO DE SUJEITO COMPOSTO. UM PINCEL ATÔMICO VERMELHO ESTÁ PRESO ENTRE SEUS DEDOS)
SUJEITO SIMPLES E SUJEITO DOIS
– Que merda! Foi ele quem pichou isso na porta do banheiro…
(PANO RÁPIDO)
(AINDA SE ESCUTA UM SOM (PRIVADA)
(DEPOIS DISSO AINDA A VOZ DE SUJEITO COMPOSTO ECOA POR TRÁS DAS CORTINAS)
(VOZ) SUJEITO COMPOSTO
– Que merda!
19/10/2001
Barata, nascido Luiz Carlos, no dia do Anti-Natal do ano da Graça do nascimento de Bruce Dickinson, Madonna, Michael Jackson, Cazuza e Tim Burton, é poeta, romancista, ensaista e contista, além de produtor de eventos e artista plástico. Cresceu escutando Beatles, Black Sabbath, Rush e Pink Floyd. Participou da geração mimeógrafo nos anos 1970, mas quando chegaram os filhos deixou de ser poeta e foi tentar ser homem, o que no entender de Bukowski é bem mais difícil. Trabalhou como office-boy, bancário e projetista de brinquedos. Apesar de ter escrito milhares de textos nunca ganhou um prêmio literário. Foi apaixonado por Janis Joplin, Grace Slick e Patti Smith; casou quatro vezes e Atualmente procura pagar as contas trabalhando com criação de sites, edição e diagramação de livros e arte digital.